Atriz, que estreou na TV Globo em 1989, aos 14 anos, tem mais de 15 novelas no currículo
Foto: Luiza Dantas/Carta Z Notícias/TV Press
As engrenagens que regem a televisão são bem conhecidas por Flávia Alessandra: "estou acostumada com esse universo. É sempre muito trabalho e pouco tempo para desenvolvê-lo", analisa. No entanto, mesmo com a experiência adquirida ao longo de 22 anos de carreira e 16 novelas, a atriz nunca atuou como em Morde & Assopra, na qual interpreta uma mulher e sua versão robótica, ambas chamadas Naomi.
Esta não é a primeira vez que Flávia dá vida a duas personagens na mesma trama - dupla jornada que enfrentou em Porto dos Milagres, de 2001, e O Beijo do Vampiro, de 2002. Porém, na atual novela das 19h a grande dificuldade foi dosar a naturalidade da Naomi, feita de carne e osso, com a superficialidade proposital da androide. "Gravo cenas como humana e como robô. Não é tão simples mudar toda a caracterização para cada sequência. Estou quase morando no estúdio", conta a atriz, com ar de cansaço, mas com um belo sorriso no rosto, que denota sua felicidade com o trabalho.
Inicialmente, na trama de Walcyr Carrasco, Naomi era a falecida mulher de Ícaro, papel de Mateus Solano. Triste com a morte da mulher, o cientista idealiza a construção de uma androide com a aparência física da amada. Porém, Naomi apenas forjou sua morte e, ao voltar à fictícia cidade de Preciosa, fica espantada ao conhecer sua versão máquina. "É uma trama bem diferente. Acho que é por isso que sinto tanto prazer. O autor encontrou uma forma muito sensível de contar uma história ousada e futurista", acredita a atriz de 37 anos.
Confira a entrevista a seguir.
TV Press - Em março, quando Morde & Assopra estreou, sua filha mais nova estava com pouco mais de cinco meses de idade. O que levou você a encarar uma personagem dupla logo depois da gravidez?
Flávia Alessandra - Fiquei encantada pela personagem assim que li os primeiros capítulos da novela. Pensei que seria a chance de fazer uma androide, um papel pouco comum. Quem seria o outro doido que criaria uma personagem dessas para mim? Aí aceitei o convite do Walcyr (Carrasco, autor). Inicialmente, seria um trabalho perfeito para depois da gravidez, pois a robô vivia no laboratório. A versão humana só iria aparecer no fim da novela para desvendar mistérios e mexer com tudo. Era o plano perfeito.
TV Press - Mas além de a robô ter aparecido mais na trama, a volta da Naomi humana foi antecipada. Você estava pronta?
Flávia - Tudo aconteceu rápido demais. Está sendo pesado, uma grande batalha, muita ralação. Mas não posso reclamar. O público gostou da personagem e o Walcyr me disse que iria aumentar um pouco a participação. A robô começou a sair da casa, a se envolver com outros personagens. Além disso, veio a surpresa do aparecimento precoce da versão humana. O saldo final foi superpositivo. Mas eu não contava que essa reviravolta fosse acontecer antes do meio da novela.
TV Press - Os primeiros capítulos tiveram audiência abaixo do esperado, o que fez com que a trama sofresse algumas modificações. De que forma isso afetou suas personagens?
Flávia - As personagens não mudaram, mas a volta da Naomi humana foi adiantada quando o Walcyr sentiu o que estava indo bem e o que estava atrapalhando a novela. As alterações quase eliminaram os dinossauros da história. A robô conseguiu ficar na trama e apresentou outras facetas. A equipe ficou bem mais tranquila quando a novela conseguiu certa estabilidade no ibope.
TV Press - Em algum momento você se confundiu na hora de gravar e usou características da humana na androide ou vice-versa?
Flávia - Sim, mas procuro me concentrar muito para isso não acontecer. A maior dificuldade é com os trejeitos. É o que mais embola minha cabeça. Fica ainda mais difícil quando coordeno as duas juntas. Eu tenho de contracenar com uma dublê, então já fico pensando nas reações do outro lado. Dou as coordenadas do que ela deve fazer, dos movimentos, e depois vou lá e faço também. É uma loucura, acabo a cena e tenho de tirar toda a caracterização e refazê-las como a outra personagem.
TV Press - Não é a primeira vez que uma novela de trama futurista é recebida com frieza. Tempos Modernos, de 2010, teve uma das piores médias de audiência do horário das 19h. Foi difícil lidar com essa rejeição inicial?
Flávia - A novela enfrentou de cara a repulsa que as pessoas já tinham em relação aos outros produtos da Globo que tiveram essa temática. Antes da estreia, quando foi noticiado que eu iria interpretar uma robô, li muitas críticas dizendo que isso já tinha sido experimentado e não tinha dado certo. Que o resultado é frio e distante do público. Mas era uma proposta completamente diferente do que já tinha sido feita. Pela sinopse, eu sabia que era algo ousado, que teria uma boa dose do conflito entre humanos e máquinas. Onde é o limite de cada um? Essa era a abordagem idealizada pelo Walcyr.
TV Press - Receber críticas antecipadas por esse trabalho fez você se dedicar mais a ele?
Flávia - Com certeza! Tive de me preocupar mais com essas personagens para encarar as expectativas negativas de frente. Fiz tudo com cuidado, com sensibilidade, me dediquei. Junto com a equipe da novela, procurei pontos nos quais outras tramas futuristas erraram para ver se dessa vez a gente acertava. Queria muito saber a razão de tanto preconceito com essas histórias. Para começar, o texto foi por um caminho diferente, fala sobre os sentimentos de uma robô. Mergulhei nesse universo bem antes de começar a novela. Conversei com cientistas, assisti a filmes e li livros sobre o assunto. Estudei tanto que a coisa começou a ficar crível e normal para mim.
TV Press - Conhecer e acreditar nessas histórias foi a forma que você encontrou para defender a personagem com propriedade?
Flávia - Lógico! Se eu não acreditasse, ninguém acreditaria. Foram tantas pesquisas. Um dos casos mais interessantes aconteceu nos Estados Unidos, onde um sujeito, em 1991, chegou a fazer a mesma coisa que o Ícaro fez. A mulher dele tinha falecido e ele idealizou e construiu uma androide com as mesmas características físicas dele, mas era do busto para cima. Era a imagem da mulher dele, com as memórias dela, com as músicas preferidas. Tudo o que fui absorvendo tornou as coisas possíveis para mim e criaram uma defesa enorme em relação à personagem. Isso foi fundamental para viver este trabalho. Acredito mesmo que robôs serão cada vez mais frequentes no futuro. É só ver o que o homem já criou até aqui em termos de entretenimento, tecnologia e informação. Não sei, mas, de repente, daqui a alguns anos, isso pode ser bem cotidiano.
TV Press - Esta é a terceira vez que você trabalha em uma novela do Walcyr Carrasco. Qual a característica do texto dele que mais a atrai?
Flávia - Ele sempre me desafia. Ate brinco dizendo que nesta novela o Walcyr esgotou todas as minhas possibilidades. Não consigo vislumbrar muito bem o que pode vir pela frente. Porque foi uma humana e uma robô, a máquina foi desligada e voltou má. Nesse momento, a humana tem uma reviravolta e começa a ficar louca e ter transtornos. Virou uma outra personagem. O Walcyr até reconheceu e falou, "eu sei, a gente combinou que seriam duas personagens, mas acabei escrevendo uma terceira".
TV Press - E o que essas personagens representam no conjunto da sua carreira?
Flávia - Representam um amadurecimento artístico. Tive papéis difíceis, mas nunca fui testada dessa forma. Ainda mais em novelas, onde a rotina é cansativa e a falta de tempo é sempre uma realidade. Cresci muito ao ter de dar conta dessas personagens, fazer as cenas de forma satisfatória. Afinal, com a exposição diária que tenho, ou me aceitam ou me mandam para o "paredão", sem direito a uma segunda chance.
TV Press - A novela está há dois meses do fim. Está satisfeita com o resultado do trabalho?
Flávia - Acho que conseguimos emplacar a história. No entanto, sou muito autocrítica. Gravo todos os dias e vejo a novela diariamente. Sempre fiz isso e acho muito importante. Porém, nunca tive a plena satisfação com meu trabalho. Um dia chego lá, mas ainda é um sofrimento me ver no vídeo. Quando estou gravando, evito pedir para revisar. Se eu fizer isso, sei que vou pedir ao diretor para refazer alguma coisa na cena.
Sem deslumbres
Flávia Alessandra cresceu diante das câmeras. Por conta disso, enxerga o trabalho na TV e a exposição que ele acarreta de forma natural. "Não acordo e penso que sou atriz da Globo. É uma profissão como outra qualquer, que tento exercer da melhor forma", garante. Nascida na cidade de Arraial do Cabo, interior do Rio de Janeiro, a atriz começou nas telinhas aos 14 anos de idade, quando venceu um concurso de novos talentos promovido pelo Domingão do Faustão. O prêmio para a campeã da disputa era uma personagem na novela Top Model, de 1989. "Levei muitos 'nãos' antes e depois desse concurso. Tanto que resolvi partir para outro ramo e me formei em Direito", recorda.
A primeira grande virada da atriz aconteceu quase 10 anos depois da estreia, em A Indomada, de 1997, trama de Aguinaldo Silva, dirigida por Marcos Paulo, seu ex-marido. "Pela primeira vez as pessoas me viram como atriz. Foi quando assinei meu primeiro contrato longo", explica.
Acostumada aos altos e baixos da carreira, Flávia tem boas lembranças de todas as novelas que fez. Entretanto, mesmo tendo sido a protagonista de Porto dos Milagres, de 2001, ela sabe que seu passe só começou a ser disputado pelos autores da emissora depois de seu desempenho como a ambiciosa Cristina, de Alma Gêmea, em 2005. "As pessoas viram que eu podia fazer coisas diferentes. Desse personagem para cá, eu fui muito abençoada, e, enfim, tive reconhecimento", valoriza.
Outros rumos
Mesmo envolvida com as atuais personagens, Flávia já tem planos para depois de Morde & Assopra. "Preciso descansar. Mas minhas férias não serão longas como eu previa", conta aos risos. Com uma evidente vontade de se reciclar, a partir de fevereiro de 2012 ela já está comprometida com as filmagens de um longa e os ensaios de uma peça.
Flávia até recebeu um convite para participar de outra novela no ano que vem, mas teve de declinar em prol da diversificação de sua carreira. "Adoro fazer TV, mas estou sentindo necessidade de olhar para fora. Não quero ser uma atriz repetitiva e variar é a saída".
Trajetória Televisiva
Top Model (Globo, 1989) - Tânia
Mico Preto (Globo, 1990) - Francisca
Sonho Meu (Globo, 1993) - Inês
Pátria Minha (Globo, 1994) - Cláudia
História de Amor (Globo, 1995) - Soninha
A Indomada (Globo, 1997) - Dorothy
Meu Bem Querer (Globo, 1998) - Lívia
Aquarela do Brasil (Globo, 2000) - Beatriz
Porto dos Milagres (Globo, 2001) - Lívia / Iemanjá
O Beijo do Vampiro (Globo, 2002) - Lívia / Princesa Cecília
Sítio do Picapau Amarelo (Globo, 2004) - Branca Flor
Da Cor do Pecado (Globo, 2004) - Lena
Alma Gêmea (Globo, 2005) - Cristina
Pé na Jaca (Globo, 2006) - Vanessa
Os Amadores (Globo, 2006) - Camila
Duas Caras (Globo, 2007) - Alzira
Nada Fofa (Globo, 2008) - Solange
Casos e Acasos (Globo, 2008) - Gilda
Caras & Bocas (Globo, 2009) - Dafne
Morde & Assopra (Globo, 2011) - Naomi / Naomi Robô
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